quarta-feira, 13 de junho de 2012

O muro já não é vermelho


Ainda não entendo como a perdi. Partiu assim de mim, de repente. Quando procurei já não a vi.
Tinha partido, pra lá, do outro lado de lá, e mais além.

Procurei na cama, no quarto, no banheiro, todos eles estavam vazios, eram só lembranças: das noites não dormidas, das brigas e reconciliações, das conversas amigas e discussões. Também dos sorrisos, beijos, abraços... Idas e vindas de um amor despedaçado. Chegadas e partidas de romance inacabado.

A casa vazia nunca esteve tão vazia. Sem suas cores – o vermelho substituído pela cal, assim como o amor já havia se transformado em sal. Sumiram inclusive seus cachorros, seu quintal.

Até o velho coqueiro, altaneiro, que sempre se debruçou pesado sobre o telhado, a observar a vida tranquila daquela casa, foi arrancado pela raiz. Assim mesmo, sem dó nem piedade. Pobre e velho coqueiro, alto, forte, porém velho, testemunha cocolar de que houve felicidade ali, sim. Mas, quis o destino que não sobrassem testemunhas e, assim, derrubou o pobre coitado, coco por coco. Palha por palha.

A sala? Dela também pouca coisa restou. Um verde transformado em branco. Uma estante levada pra longe. O que mais tinha naquela sala? A memória... O tempo... Tudo parece conspirar para esquecer aquela vida. LEMBREI. Havia também um sofá. Ou melhor, dois. Irmãos. Gêmeos. Primos distantes do coqueiro altaneiro. Mas que, tal como ele, também lutaram para manterem vivas as estórias vividas naquela casa que, um dia, teve um muro vermelho. Perderam a luta, embarcaram juntos com o coqueiro, aquele altaneiro, e desapareceram na estrada sem fim.

Derrubaram o coqueiro, sumiram com os sofás, desapareceram com os cachorros, mudaram nosso lar. Mas eles estão por aí. Posso sentir. E contam nossa estória pra quem quiser ouvir.

“Uma vez eles brigaram sob minhas palmeiras. Besteiras. Tava quase pra tacar um coco na cabeça de cada e fazê-los se beijar. Vocês se amam, tive vontade de gritar”, certa vez disse o coqueiro, que já não era mais coqueiro, havia sido transformado em um desconfortável banco de estar.

“Isso não é nada”, retrucou o primeiro sofá, “tava bem dormindo em paz, quando vi aqueles dois, pareciam o satanás. Quase me quebram no meio, até hoje a costa dói, mas o pior, pior foi mesmo, aquele cheiro de suor”.

“Ai que dó. Ora se dê por satisfeito, ruim mesmo foi pra mim, que além de ficar de longe, ainda taparam toda a vista com uma camiseta carmim. Agora, o barulho que fizeram, realmente não deixou dúvidas: o amor deles é mistério. Nunca vi coisa assim. Se bem que já no meio a menina teve medo e pediu pra ir pro quarto”, reclamava sempre e sempre, aquele segundo sofá.

Estás vendo só, não te disse?! Nossa estória é para sempre. Se ainda tiveres dúvida pergunte a essa gente. Não gente de verdade, que esses de nada valem, não viveram nosso amor, pra nós não são ninguém. Pergunte pra quem viveu, junto com você e eu, cada abraço, cada gesto, toda noite e todo dia, rezou Pai Nosso e Ave Maria, dormiu ao amanhecer e acordou com o entardecer. Pergunte logo a eles, sofá, coco, cama e copo, lençol, mesa, rede e paredes. Pergunte a você se tudo aquilo que vivemos vamos outra vez viver. Eu já sei qual a resposta, porque já me perguntei, não uma, duas ou três, e sim mais de mil vezes. A resposta é que nascemos, crescemos e vivemos para nos encontrar e te amar e me amar e nos amar.